As
trocas de farpas entre os ministros do STF têm atraído muitos holofotes e se
transformado em capítulo à parte no julgamento da AP 470. O compreensível
interesse que público e mídia demonstram pelos embates faz com que seus
confrontos ofusquem, muitas
vezes, a substância de seus votos. Isto é ruim para
o País. O Brasil tem longa tradição de personalizar a autoridade. O culto
servil à pessoa do ocupante do posto de mando tem raízes profundas no modo
brasileiro de pensar a vida pública e ecoa no famigerado "você sabe com
quem está falando?". Nesse movimento, a deferência à pessoa da autoridade
atropela e diminui a confiança nas instituições.
Atos
inerentes ao funcionamento regular do Legislativo, do Executivo e do Judiciário
são amiúde apresentados como favores prestados, como benesses oriundas da
generosidade do poderoso e não como direito atendido. Com frequência
perturbadora, vemos surgir na cena pais da pátria ou mães dos pobres, que geram
uma fidelidade política de cunho absolutamente pessoal. O personalismo
individualista corrompe as instituições porque coloca os mecanismos públicos a
serviço de projetos pessoais.
Neste
momento em que se decide a AP 470, centrar a atenção na personalidade dos
ministros desvia o olhar daquilo que realmente importa: o funcionamento do STF
como instituição. Embora a história pessoal e as idiossincrasias de cada
ministro impactem, inevitavelmente, a forma como exercem sua função judicante,
é seu exercício da função, e não sua pessoa, que merece escrutínio detido. O
mesmo risco aparece quando se fala dos réus, sobretudo quando são ou foram
autoridades.
É
preciso sempre lembrar que não se trata de Joaquim ou Ricardo decidindo sobre
João ou José; trata-se de uma instituição operando dentro das balizas de um
regime democrático, que deve preservar o devido processo legal e garantir que
todos sejam efetivamente iguais perante a lei. O julgamento da AP 470 é
oportunidade única para que o Brasil rompa com sua nefasta tradição de mando
personalista e de confusão entre público e privado. E esta superação do
indivíduo pela instituição deve valer também para o STF.
Artigo publicado no jornal Estadão em 28/09/2012, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-farpas-e-as-instituicoes--,937019,0.htm
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