quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Técnico e político

Analistas do Supremo Tribunal Federal frequentemente dizem "voto técnico" para significar que um ministro decidiu segundo critérios jurídicos, e não políticos.
A expressão pode ser tanto inócua como enganosa.
Inócua porque, a rigor, todo voto é técnico, pois deve atender os requisitos materiais e formais que estruturam decisões judiciais. Tais requisitos são imperativos para terem efeitos jurídicos. Assim, o voto que não for técnico será nulo ou anulável.
Enganosa por sugerir que alguns juízes seguem a lei e outros a torcem segundo suas conveniências. O argumento pressupõe que do texto legal decorra sempre um único sentido possível, apreensível por meio da neutralidade técnica. Esta clareza não existe no cotidiano. O ato de julgar é espinhoso por exigir um exercício de interpretação para adequar fato e norma. Isso se dá com base em valores cujo sentido nem sempre está explicitado na lei - valores políticos, em sentido amplo.
Isto não é um problema para o Direito. O problema só surgiria se a interpretação política, em sentido amplo, tivesse por fim a política menor, a defesa do interesse de grupos específicos. Salvo engano, as discussões sobre a independência do STF durante a AP 470 ocuparam-se, em geral, desse segundo sentido.
Felizmente, o Judiciário dispõe de mecanismos para deixar de fora a pequena política. Primeiro, a integridade pessoal dos julgadores, a quem convém manter distância prudente de partidos e de políticos. Decisões colegiadas reduzem, em tese, o risco de interferência indevida de interesses particulares.
Assim, todos os votos proferidos na AP 470 foram técnicos. E também políticos. Cabe à Corte zelar para que sejam usados os mecanismos de que dispõe para seguir percebida como política no sentido amplo, como requer a democracia e espera o povo brasileiro.

Artigo publicado no jornal Estadão em 19/09/2013, disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,tecnico-e-politico,1076365,0.htm

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